As fontes das entrevista do Omega com Grof foram as fitas gravadas nos Congressos Internacionais de Psiquiatria e Psicologia Transpessoal de Manaus (AM) e Águas de Lindóia (SP) acrescidos das perguntas gravadas nas duas palestras proferidas por Grof durante a sua estada em Salvador (BA) em novembro de 2001.
Revista Omega – Como e por que surgiu a Psicologia Transpessoal?
Stan Grof – Nos últimos anos se tem visto que nossos pressupostos básicos e nossa forma tradicional de pensar quem e o que somos, ao invés de serem generosos, foram mesquinhos com a condição humana. Existe esmagadora evidência proveniente de todas as disciplinas científicas que confirmam que temos grandemente subestimado o potencial de crescimento e de bem-estar psicológico do ser humano. Os mais modernos dados apontados recentemente por estas disciplinas não coincidem com os nossos modelos psicológicos tradicionais. Em resposta a todas estas incongruências, surgiu nos anos 60 a Psicologia Transpessoal, como forma de integrar estes novos achados referentes à capacidade expansiva do ser humano. Para consegui-lo, se nutre de toda a ciência ocidental e de toda a sabedoria oriental.
Omega – Qual seria para você uma definição atual de Psicologia Transpessoal?
Grof – É a que, baseando-se em todos os estudos e investigações realizadas até hoje no Oriente e Ocidente, expande infinitamente o campo da pesquisa psicológica para incluir o estudo de todos os caminhos que levam a um bem-estar psicológico ótimo e a uma saúde perfeita. Ela reconhece o potencial de todos os seres humanos para experimentar um amplo espectro de estados de consciência nos quais a identidade vai bem além dos limites habituais do ego “encapsulado na pele”.
Omega – Como o primeiro número do “Journal of Transpersonal Psychology”, editado por você em 1969, definiu as suas áreas de interesse?
Grof – Foram definidos como áreas de interesse para publicação, os trabalhos empíricos, artigos e estudos sobre os processos, valores e estados transpessoais, a consciência unitiva, as experiências “cume” ou “pico”, o êxtase, a experiência mística, o Ser e a Essência, a beatitude, a reverência, o assombro, a autotranscendência, todas as teorias e práticas de meditação, os caminhos espirituais, a compaixão, a cooperação e a atualização das informações transpessoais.
Omega – Como surgiu o termo Transpessoal?
Grof – O termo foi adotado depois de intensas deliberações, e hoje é reconhecido no mundo inteiro como o mais apropriado para referir-se a todas as experiências que exigem ampliar nossa identidade para muito além da individualidade . Portanto, definitivamente não é um novo modelo da personalidade, já que esta só é um pequeno aspecto da nossa natureza; é muito mais uma indagação sobre a natureza da Essência do Ser .
Omega – Você fala de modelos. O que é um modelo em Psicologia?
Grof – São representações simbólicas que descrevem os principais traços e dimensões dos fenômenos que representam. Implicam porém vários perigos importantes: condicionam a percepção, delimitam âmbitos de investigação, dão forma e determinam a interpretação dos dados e experiências de maneira a obter resultados que esses próprios modelos profetizam. Por exemplo: tanto o modelo freudiano, que vê como primeiro motivador a libido sexual, como o adleriano, que o busca na luta pelo poder e na superioridade, como o condutista que o procura nos reforços ambientais, todos eles provavelmente terão sucesso nesta busca. Estas características autoproféticas e auto-realizadoras destes modelos que se autovalidam são um perigo para a verdadeira percepção, porque, uma vez integrados, passam a operar em níveis inconscientes. Até chegar ao transpessoal, todas as psicologias só foram modelos.